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Localizada na região da Mancha, na ponta setentrional da Normandia, a cidade de Saint-Lô ficaria conhecida nos dias posteriores ao final da II Guerra como “Capital das ruínas”, tal a devastação provocada pelos bombardeios aliados na luta contra a ocupação nazista no noroeste da França.
O período que se seguiu para soerguimento da vila, apaziguamento dos traumas e tratamento dos feridos tornou-se um quadro dramático, como se pode imaginar num período de pós-guerra. Durante essa recuperação penosa, Saint-Lô foi presenteada com um hospital, todo ele erigido e equipado por subscrições dos cidadãos norte-americanos, especialmente da cidade de Baltimore.
A esse mutirão associou-se o consagrado pintor modernista Fernand Léger, que destinou um projeto para realização em mosaico, festejando a paz e celebrando a amizade entre franceses e norte-americanos, de resto consagrada no nome do hospital: Hospital Memorial Franco-americano de Saint-Lô.
Para realização do mosaico, de 30 metros quadrados, foi convidado o mosaicista italiano Lino Melano, conhecido pela execução de peças em mosaicos para artistas como Marc Chagal, Braque, Picasso e muitos outros. Melano trouxe com ele um jovem mosaicista oriundo do Brasil, que começava a mostrar um talento ímpar para lidar com as tesselas e que estudara pintura com mestres ilustres, como André Lothe, em Paris. Chamava-se Antônio Carelli, tinha perto de 30 anos e vinha crescendo depressa no mundo das artes. Nascido em 1926, em Capivari, no Estado de São Paulo, iniciara seu aprendizado artístico com Takaoka, estudando desenho de modelos vivos na Associação Paulista de Belas Artes e no Masp. Foi para Paris no início dos 50 e ali freqüentou a Academie Julien e a Academie de La Grande Chaumière. Realizou também curso de mosaico de Ravenna na Escola de Arte Aplicada Italiana, de Paris, sob orientação de Gino Severini e de Lino Melano, tornando-se um de seus melhores discípulos em realização musiva. Dele pode-se dizer que estava na hora certa no lugar certo.
Afinal, o período que se seguiu à guerra havia revelado estragos e mutilações em muitas igrejas da Europa, com danos graves causados às obras sacras nelas abrigadas, inclusive nos vitrais e nos revestimentos com mosaico. Para restaurar capelas, igrejas e catedrais, as escolas de formação em arte musiva da Europa ganharam um sopro de interesse, fortalecendo-se na habilitação de profissionais para o exercício de restauração dos mosaicos danificados.
Pela competência, instinto e aplicação na arte do mosaico, Antônio Carelli recebeu cumprimentos e aplausos de Fernand Léger, que o chamou novamente, para executar, junto com o mestre Lino Melano um painel ainda maior, destinado ao Edifício do Gaz de France, em Alphorville (80 metros quadrados). Ao final dessas obras e de outras realizadas a partir de 1956, em mosaico sobre maquetes de Simon Segal (pintor russo radicado na França), Antônio Carelli expôs no Museu Bourdelle e recebeu um testemunho de reconhecimento de uma revista especializada de Genebra, “Urbanisme et Architecture”, Editions Pierre Cailler, 1959. Sob o título “Le brésilien Antonio Carelli renouvelle l’art de la mosaïque”, afirma a revista: “La mosaïque n’avait pas encore trouvé son réformateur. C’est aujourd’hui chose faite. L’iniciateur de cette véritable renaissance est un jeune Brésilien: Antonio Carelli”. (O mosaico não havia ainda encontrado seu modernizador. Isso hoje foi feito. O iniciador deste verdadeiro renascimento é um jovem brasileiro: Antônio Carelli).
Uma vez vitorioso no reconhecimento da crítica, Carelli retornou a São Paulo onde não parou mais de produzir, expondo e colecionando prêmios. Logo ao chegar, realizou para a Igreja Dominicana de São Paulo um painel em mosaico denominado “Anjos e o povo do Peru”. O trabalho traz a representação de Santa Rosa de Lima, primeira santa latino-americana, e decorre de cartão elaborado pelo artista Simon Segal. A obra recebeu estudo minucioso por parte da arquiteta Isabel Ruas em monografia de mestrado na USP. Em 1960, Antônio Carelli instalou no Museu de Arte Moderna (SP) a mostra que realizara antes no Museu Bourdelle de Paris, renovando seu sucesso com o título “Mosaicos Arte Mural”. Sua trajetória artística sempre foi repartida entre a pintura de cavalete e o mosaico, realizando este dentro do mais apurado refinamento conforme se exigia em Ravenna, com quebra de pedras em martelino e tagliolo. Retornou outras vezes a Paris e a Madri, para expor seus trabalhos.
Depois de seu retorno ao Brasil, realizou na década de 60 uma série de mosaicos a partir de projetos de artistas renomados, como Bonadei, Yolanda Mohaly, Clóvis Graciano, Norberto Nicola, Rebolo e Pietro Nerici, além de outros de sua própria autoria. O conjunto desses projetos foi exposto na Galeria 4 Planetas, hoje extinta, e provocou grande arrebatamento ao professor Mário Schemberg, que assinou a apresentação da Mostra.
Dentre aqueles que Carelli realizou integralmente – concepção e execução – encontra-se uma obra de fachada de 30 metros quadrados em residência particular na Rua Groelândia, em São Paulo, que dá para ser vista da calçada, emprestando novo significado à arquitetura da casa. Para a indústria Pérsico Pizamiglio, fez um mural com mosaico em relevo de 500 metros quadrado, aplicado na sede da indústria, na Via Dutra, em Guarulhos (SP).
A partir de 1986, Antônio Carelli instalou-se em Caraguatatuba, onde continua criando, ministrando aulas e fomentando o movimento artístico através do projeto Arte Litoral Norte. Leva hoje uma vida pacata, mas comprometida sempre com a arte em todos os sentidos. Vez por outra ainda arranja tempo para ministrar cursos de mosaico. “Gostaria de ser reconhecido como um pintor moderno que se dedica desde a década de 50 ao mosaico e mais recentemente tem feito incursões na cerâmica e na escultura”, disse-me em carta carinhosa e cheia de modéstia que guardo com zelo e comovido reconhecimento.
Em 2007, fui convidado a conhecer, no Teatro Nacional de Brasília, a apresentação de um filme inteiramente realilzado e dirigido por índios de uma tribo amazônica. A iniciativa de realilzar o filme partiiu do sertanista Vincent Carellli, o filho de Antônio Carelli que ele desenhou em pedras e esmaltes num mosaico existente em sua casa de Caraguatatuba (foto ao lado). O filme foi muito aplaudido por um público formado basicamente de profissionais conectados com a questão indígena no Brasil que guardam pelo trabalho de Vincent a mesma admiração que os mosaicistas brasileiros guardam pela obra do pai, Antônio Carelli. H.Gougon,janeiro de 2009.
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